Como a IA está revolucionando a forma de trabalhar

Como a IA está revolucionando a forma de trabalhar

Serviços profissionais, incluindo o escopo de advogados e consultores, e programação já usam a nova tecnologia em tarefas rotineiras

Por Sarah O’Connor, Christopher Grimes e Cristina Criddle — Do Financial Times

Tradução: Sabino Ahumada – Jornal Valor Econômico

29/06/2023

Uma revolução que libertará os trabalhadores de tarefas extenuantes ou uma destruidora de milhões de empregos? As novas capacidades da inteligência artificial (IA) têm despertado ao mesmo tempo enorme entusiasmo sobre a produtividade no trabalho e terríveis sinais de alerta para os trabalhadores. O “Financial Times” selecionou dois setores que estão entre os primeiros a adotar a tecnologia para analisar como ela está sendo usada no trabalho cotidiano.

Tem sido um ano estranho para advogados como Alex Shandro e Karishma Brahmbhatt. Por todos os lados, economistas, tecnólogos e jornalistas têm feito previsões sobre o que os novos avanços em IA poderiam significar para a chamada área de serviços profissionais. Manchetes advertindo que “a IA está chegando para os advogados” estão em todos os lugares.

Shandro e Brahmbhatt, entretanto, têm uma forma diferente de ver a questão – a da linha de frente. Como advogados da Allen & Overy (A&O) em Londres, eles já usam as novas ferramentas de IA generativa no dia a dia. Aproximadamente 3,5 mil funcionários da A&O têm acesso ao Harvey, plataforma de IA construída com base em uma versão dos modelos mais recentes da OpenAI que foi aprimorada para trabalhos jurídicos.

Serviços profissionais, incluindo o escopo de advogados e consultores, e programação já usam a nova tecnologia em tarefas rotineiras — Foto: Imagem Valor Econômico

Shandro, especializado em propriedade intelectual comercial, diz ter usado o Harvey recentemente para se preparar para uma transação que envolvia direitos de propriedade no metaverso. “Quais são as normas da publicidade no Reino Unido que também poderiam valer para a realidade aumentada? Perguntei ao Harvey e obtive uma lista muito boa. Antes, eu teria pedido ao meu estagiário ou a um advogado júnior para pesquisar isso, e levaria muito mais tempo.”

“Os profissionais precisam entender a ética do que estão fazendo”

Rashik Parma

Da mesma forma, Brahmbatt diz que ela e seus auxiliares usam a tecnologia regularmente – embora com resultados ambíguos. “Na verdade, fiz a ele uma pergunta e ele inventou os casos completamente”, ri. “Se você o encarar com a ideia de que ‘vou ter que ler e checar tudo de qualquer maneira’, então é útil. Acho que ainda não é algo que você possa simplesmente pegar e usar sem cuidado.”

David Wakeling, chefe do grupo de inovação de mercados da A&O, diz que o quadro de funcionários adotou o Harvey com bastante rapidez desde que a banca de advocacia iniciou os testes em novembro, embora ainda não esteja sendo usado por todo mundo todos os dias. “Verifiquei ontem – cerca de 800 pessoas o usaram nas últimas 24 horas, e elas fizeram em média de três a quatro perguntas cada uma, em diferentes idiomas e grupos de especialidades”, diz.

De acordo com Wakeling, uma das questões mais importantes é evitar que os funcionários achem que a ferramenta é mais capaz do que realmente é. “Nós dizemos que o Harvey é como um adolescente de 13 anos muito confiante e articulado. Ele não sabe o que não sabe. Tem alguns conhecimentos fabulosos, mas incompletos. Você não confiaria em um adolescente de 13 anos para fazer sua declaração de imposto de renda.”

Em vez de uma caixa com “mágica” escrito na tampa, o escritório considera a tecnologia “um ganho de produtividade chato”. “Tem problemas, comete erros, está desatualizado. Mas tudo bem, porque estamos tentando economizar uma ou duas horas por semana para 3,5 mil pessoas.”

Em Londres, o jovem quadro de funcionários da PwC (a idade média é de cerca de 31 anos) também começou a usar novas ferramentas de IA, entre as quais o Harvey, em seu trabalho. Um sistema permite que eles insiram documentos – uma pilha de contratos legais ou de contratos sociais de uma empresa, por exemplo – e façam perguntas a respeito deles. As respostas, escritas fluentemente, vêm acompanhadas de notas sobre a fonte de origem, que remetem às partes exatas dos documentos das quais a IA tirou suas conclusões.

Euan Cameron, líder de IA da PwC no Reino Unido, diz que a maior diferença dessas novas ferramentas é que elas democratizam o acesso. “Antes, era como estar em um mundo movido a cavalos e ter um carro com motor de 1 litro, mas com controles como os de um Boeing 747. Você precisava de pessoas muito espertas e especializadas para fazê-lo funcionar. Agora, você tem ferramentas que podem ser integradas à barra lateral do Office 365 ou do Google Suite”. Ele alerta, no entanto, que é preciso ter “guard-rails” em torno disso”. Essas proteções incluem o “uso apenas como versão preliminar; a revisão por humanos; o uso apenas em casos com baixo custo de falha”.

O uso ainda está em seus primórdios, mas até agora as maiores economias de tempo para as firmas de serviços profissionais parecem estar nas tarefas que normalmente seriam atribuídas a funcionários iniciantes. Será que isso significa que bancas de advocacia e firmas de consultoria não precisarão mais dessas funções? E, caso positivo, quem treinará aqueles novatos que, algum dia, serão os experientes, e como?

Bivek Sharma, diretor de tecnologia do departamento tributário, jurídico e de pessoas da PwC, reitera que a empresa ainda vai querer – e precisar – treinar pessoas para que sejam “especialistas em determinados assuntos”, mas a maneira e a rapidez como fazem isso logo mudarão. “As expectativas a respeito delas aumentarão”, prevê.

Na área jurídica também há a dúvida se faria sentido economizar mão de obra humana, tendo em vista que muitas bancas cobram pela hora trabalhada dos advogados. Por essa lógica, no entanto, as empresas teriam continuado com aparelhos de fax e máquinas de escrever, argumenta Wakeling. “Isso vai chegar de qualquer forma, então estamos vendo como adotar isso de forma segura.”

Quanto aos temores de que a IA substituirá completamente uma série de profissões, como as de advogados e contadores, as pessoas que começaram a usar as ferramentas parecem tranquilas, por enquanto. Shandro fala sobre a arte de negociar um contrato, “cheia de contextos”, que depende tanto do “instinto” e da “experiência” quanto do conhecimento da lei.

Na KPMG, a chefe global de pessoas, Nhlamu Dlomu, está mais preocupada com a possibilidade de intensificação do trabalho. “O que pode nos ajudar a não cair nessa armadilha?”

Sharma, da PwC, faz a mesma previsão. “O que vai acontecer daqui a um ano é que nossos clientes vão esperar que apresentemos insights de alto valor em prazos muito mais curtos.

Os programadores têm se beneficiado da IA generativa para ganhar eficiência, usando ferramentas como o ChatGPT para ajudar a escrever softwares. Quando alimentados com instruções específicas, “chatbots” de IA generativa são capazes de sugerir linhas de código que os programadores podem rodar e testar. Especialistas em dados, contudo, advertem que ainda há limitações. “É muito útil e de fato acelera bastante as coisas, mas você precisa saber como seria uma resposta [correta] para que isso funcione”, diz Edward Rushton, cientista de dados e cofundador da consultoria Efficient Data Group.

Ele diz que há muito trabalho de tentativa e erro, portanto, é crucial entender como consertar o que a IA gerou. “[A tecnologia] simplesmente faz coisas erradas e inventa coisas. Inventará uma função que não existe, tudo parece perfeitamente plausível, mas não está correto e não funciona”, alerta.

Archana Vaidheeswaran, gerente de produtos de dados da organização sem fins lucrativos Women Who Code, usou o ChatGPT para criar uma extensão para o Google Chrome que ajuda falantes não nativos de inglês a traduzir textos e a ajustar o tom para um estilo de conversa mais natural. O chatbot da OpenAI criou as linhas de código para a interface do produto, a parte que os usuários podem ver e interagir, enquanto Vaidheeswaran escreveu a tecnologia de fundo. “O ChatGPT pode escrever algo muito específico, mas depois você precisa trabalhar nisso”, diz.

Matt Shumer, CEO da Otherside AI, startup que tem um produto para escrever e-mails, diz que sua equipe utiliza IA para auxiliar na programação, e boa parte das linhas de código da empresa foi feita com ela. “Tecnicamente não é um requisito, mas duvido que alguém que não estivesse usando fosse capaz de acompanhar o ritmo do restante da equipe.”

Por outro lado, ele destaca a necessidade de contar com engenheiros experientes que avaliem e validem os resultados da IA e verifiquem as respostas corretas. “A IA transformou o papel dos programadores. Em vez de se concentrarem apenas na codificação manual, agora eles passam mais tempo definindo o problema, projetando a estrutura e orientando a IA a realizar o trabalho pesado”, diz.

A British Computing Society informa que as ferramentas de IA generativa, além de escreverem código, podem servir para analisar as que já foram feitas e procurar erros ou vulnerabilidades que poderiam ser explorados por hackers. A associação também ressalta a necessidade de os desenvolvedores revisarem de forma crítica as respostas dadas pela IA e de levarem em conta como os dados inseridos nos sistemas de IA generativa podem ser usados. “Os profissionais precisam entender o nível de competência necessário [quando usam a IA], porque estão assumindo uma grande responsabilidade”, diz Rashik Parmar, executivo-chefe da British Computing Society. “Eles precisam entender a ética do que estão fazendo e estar sujeitos a prestar contas caso algo dê errado”

Leia também: O que é o ChatGPT?

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