Elon Musk é o novo Eike Batista e Vale do Silício virou república de bananas?
As histórias do bilionário americano e do brasileiro oferecem um exemplo vívido de como mesmo as pessoas mais ricas do mundo se complicam ao tomar decisões precipitadas e ignoram os conselhos de suas equipes; ironicamente, aquilo que os torna geniais pode ser a causa da derrocada
Por Guilherme Ravache – Jornal Valor Econômico
13/04/2023 07h48
O Twitter como o conhecíamos já não existe mais. E isso não apenas no sentido figurado, após diversas decisões controversas de Elon Musk que irritaram usuários e afastaram anunciantes. O Twitter Inc. não existe mais como uma entidade em Delaware, depois que a plataforma de mídia social se fundiu com a X Corp.
Em entrevista à BBC, Musk disse que “há algo mais nisso”, e que seu objetivo “é criar o X, o aplicativo de tudo”. O Twitter seria a base dessa estratégia, que segundo declarações de Musk, envolve transformar a rede social em uma instituição financeira.
Para quem imagina que por trás das decisões erráticas do bilionário no Twitter existe algum plano mirabolante, a entrevista da BBC foi reveladora. Musk admitiu que seguiu com a compra do Twitter por US$ 44 bilhões apenas porque acreditava que perderia o processo movido pela rede social para forçar o cumprimento do contrato de venda.
A imagem de um bilionário nomeando empresas com X para simbolizar a “multiplicação” de resultados e que perde bilhões pelo caminho não é novidade para os brasileiros. Eike Batista entrou para o imaginário popular com fórmula bastante semelhante.
Eike perdeu US$ 35 bilhões em um ano. Musk pode superar esta cifra se o Twitter fechar as portas. Em 2019, o ex-magnata brasileiro disse à Bloomberg que ele e o CEO da Tesla eram “almas gêmeas” e perfeccionistas que construíam nações. Apesar do plano de Eike de lançar uma série de startups para recuperar sua fortura, por enquanto ele segue mais próximo dos mortais do que no patamar de Musk.
Gênios ou falastrões de sorte?
Segundo estudo da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC) e da CFA Society Brazil, a derrocada do Grupo X se deu pela falta de transparência, o descumprimento de normas no mercado, o modelo de gestão com conflitos de interesse e a interdependência das empresas do grupo. Além disso, a brusca oscilação do mercado de ações foi o estopim.
De certo modo, Musk agora vive em um cenário semelhante ao da queda de Eike. Nos dois casos, é notável o senso de oportunidade e a ousadia que exibiram em suas carreiras. A capacidade de criar narrativas em torno de suas personalidade é outro fator em comum. É praticamente um culto à personalidade.
Mas diferentemente de Eike, Musk não quebrou e a Tesla e a SpaceX são líderes em seus segmentos. Porém, cada vez mais se discute até que ponto Musk mais atrapalha do que ajuda suas empresas nos últimos tempos.
Um tema menos discutido é que em boa medida Musk e Eike também são símbolos dos excessos dos mercados que navegavam. Eike surfou o boom das commodities, Musk a onda dos juros baixos e dos anos em que nada parecia impossível para as big techs.
Em momentos diferentes as duas histórias desmoronaram. O Brasil entrou em uma crise econômica profunda que culminou com a saída de Dilma Rousseff da presidência. No Vale do Silício, as empresas demitem e o banco SVB, favorito dos bilionários do capital de risco, quebrou.
E no melhor estilo das repúblicas de bananas, a elite do Vale do Silício teve de pedir socorro ao governo americano, da mesma forma que governos de países quebrados correm para o FMI para cobrir o rombo nas contas.
Elon Musk — Foto: Marlena Sloss/Bloomberg
Não deixa de ser irônico, já que é justamente essa elite do Vale do Silício a primeira a defender menos intervenção do governo nos mercados.
Mas os problemas do Vale do Silício (e me refiro mais a um mindset do que propriamente uma região geográfica) não param por aí. Os anos de dinheiro fácil criaram uma cultura complacente e de baixa eficiência.
O crescimento vinha com a compra dos concorrentes mais inovadores e a liderança cada vez mais se baseava em monopólios e menos na capacidade de atender às necessidades dos usuários.
Uma das provas mais evidentes dessa cultura corrosiva foi a frenética contratação de funcionários. Agora, após uma onda de cortes, surgem dezenas de depoimentos em redes sociais de ex-funcionários de big techs que diziam ser contratados para não fazer nada.
Em um evento recente, Keith Rabois, um dos primeiros executivos do PayPal e investidor de risco, disse que as empresas de tecnologia usavam as contratações como uma “métrica de vaidade”. A ideia era contratar talentos para impedi-los de trabalhar para outras empresas.
“Eles estavam meio que nos acumulando como cartas Pokémon”, diz Britney Levy, ex-funcionária da Meta, em um vídeo no TikTok sobre sua passagem pela empresa. Em novembro a empresa demitiu 11 mil funcionários e deve cortar mais 10 mil. Zuckerberg afirmou que este será o ano da eficiência.
De certa forma, as big techs se tornaram repartições públicas com funcionários fantasmas, presentes apenas para manter o status quo de uma máquina ineficiente.
Assim como nos governos ineficientes, isso prejudica todo o mercado. Por anos empresas de pequeno e médio porte reclamaram da dificuldade de recrutar talentos, particularmente em tecnologia.
Musk afirma que dos quase 8 mil funcionários do Twitter, restaram menos de 1,5 mil na empresa. Se a medida é sustentável é um tema aberto, mas o fato é que o site continua funcionando com uma redução de 80% da mão de obra e gastando uma fração do passado. Aulas de ioga e restaurantes com sushi são memórias do passado.
Nos dez anos em que foi uma companhia de capital aberto, o Twitter teve lucro em apenas dois deles.
Erros que podem custar caro
Musk e Eike têm méritos, e no fundo, são produtos de seus meios. Mas a comparação pode não ser justa, já que Eike perdeu seus bilhões e Musk segue entre os mais ricos do mundo.
Mas a conta ainda pode chegar para Musk. Contrariando seus engenheiros, o CEO da Tesla exigiu que os radares dos novos carros da empresa fossem abolidos em 2021. O resultado foi uma disparada no número de acidentes, diversos fatais.
O Departamento de Justiça americano solicitou documentos relacionados à direção totalmente autônoma como parte de uma investigação em andamento, e a Comissão de Valores Mobiliários está investigando o papel de Musk em promover as alegações de direção autônoma da Tesla, parte de uma investigação maior, de acordo com a Bloomberg News.
O processo aberto em fevereiro afirma que a Tesla fez declarações “falsas e enganosas” e “exagerou significativamente” a segurança e o desempenho do piloto automático e da direção totalmente autônoma. A NHTSA também está investigando acidentes da Tesla.
A depender do resultado, Musk dará mais passos no caminho trilhado por Eike e se unirá à crescente lista de ícones caídos do Vale do Silício. Já o centro mundial de inovação caminha rapidamente para se tornar uma republiqueta, mas ao invés de militares e ditadores, têm bilionários egocêntricos e desconectados da realidade no comando.