Fórmula do sucesso do passado das empresas é o Veneno de sua Morte no presente

Fórmula do sucesso do passado das empresas é o Veneno de sua Morte no presente

Como Jesper Brodin, CEO da empresa sueca Ikea, reagiu aos clientes insatisfeitos

Por Richard Milne, Financial Times — Paris

Tradução: Mario Zamarian – Jornal Valor Econômico

05/07/2023

A Ikea revolucionou o varejo na década de 50, convencendo os consumidores a se dirigirem para suas lojas fora das cidades, percorrer seus formatos labirínticos para comprar seus móveis, levá-los para casa e montá-los eles mesmos. Mas quando Jesper Brodin assumiu como executivo-chefe (CEO) em 2017, rapidamente ficou claro que os clientes já estavam cansados.

Brodin, que comanda o Ingka Group, que opera as lojas Ikea, viajou para a Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Japão, China e Rússia conversando com clientes. Todos passaram a ele a mesma mensagem: gostamos da Ikea, mas não está funcionando para nós. A principal reclamação? A falta de locais convenientes para fazer compras.

“Em uma noite de terça-feira, chego do trabalho, damos comida para as crianças, elas já fizeram o dever de casa e preciso comprar duas cadeiras dobráveis. Não vou correr até uma loja da Ikea. E se você não conseguir me oferecer uma oportunidade sob as minhas condições, deixarei de procurar você”, diz Brodin sobre o “feedback” dos clientes.

O sueco de fala mansa, que trabalhou como assistente do lendário fundador da Ikea, Ingvar Kamprad, diz que apresentou um “relatório de viagem” sobre o que os clientes pensavam. Eles haviam criado a nova estratégia de que a Ikea precisava.

“Revolucionamos o setor de móveis nos anos 1900. De repente, estávamos sendo deixados para trás pela revolução tecnológica e o novo varejo. Portanto, era óbvio para mim que a decisão não era mais nossa. Era dos nossos clientes.”

Brodin liderou mudanças em várias frentes: a Ikea investiu pesadamente nos negócios on-line, tentando alcançar concorrentes como Amazon e Alibaba, que estavam atraindo muitos de seus clientes; ela testou conceitos de lojas menores inclusive nas regiões centrais de grandes cidades e shopping centers, aos quais ela resistiu por muito tempo; e ofereceu aos compradores novos serviços, da entrega a domicílio a pagar alguém para montar os móveis (através de uma de suas maiores aquisições, o serviço de “bicos” TaskRabbit).

Estávamos perdendo participação de mercado, em especial para o comércio on-line”

— Jesper Brodin

Estamos conversando em um dos frutos da transformação: uma loja menor no centro de Paris, perto da igreja de La Madeleine, do século XIX. Para uma companhia cujas lojas costumavam ser grandes armazéns ao lado de “campos de batata”, como o CEO gosta de dizer, é uma grande mudança.

Brodin diz que achou mais fácil tomar decisões duras porque estava claro que o velho modelo de negócios da Ikea não estava funcionando.

“Eu provavelmente não teria tido coragem de embarcar nessa jornada se não houvesse sinais de que não estávamos melhorando. Pode-se dizer que a eficácia dos nossos investimentos no velho modelo estava compensando cada vez menos. Estávamos perdendo participação de mercado, em especial para o comércio on-line.”

Ele também sabia que as mudanças tinham que ser rápidas. “Eu mesmo simplesmente não conseguia acreditar, por contra própria, na escolha de uma abordagem evolutiva. Eu achava que iria demorar muito e nós ficaríamos muito apegados a algumas verdades antigas. É claro que naquele momento você se sente um pouco solitário. E se pergunta: como isso será bom para todos nós?”

A tarefa de Brodin foi dificultada pela presença de Kamprad, que fundou a Ikea aos 17 anos em 1943 e deu a ela sua cultura única, criando uma estrutura corporativa complexa e mais impenetrável do que as instruções de montagem dos móveis da empresa. Isso não só para minimizar o pagamento de impostos, como também para evitar que ela pudesse ter o capital aberto ou ser adquirida.

Kamprad não estava convencido sobre o comércio eletrônico. “Houve um momento em 2005 ou 2008 em que os medos pesavam mais sobre ele do que as oportunidades. O medo dos custos e da ruptura do que era ideal em nossa cadeia de valor fez ele assumir uma posição muito clara de que não seguiríamos aquele caminho”, diz Brodin.

Quando Brodin assumiu o comando, Kamprad estava frágil – ele morreu poucos meses depois – e morando de novo na Suécia, após décadas de exílio fiscal na Suíça. Seu retorno aumentou a pressão sobre Brodin, mas o CEO não via outra opção a não ser romper com o passado e abraçar o comércio on-line. “Houve basicamente uma percepção de que não comandávamos a decisão. Alguma coisa havia mudado na sociedade”.

Vestido com o uniforme corporativo da Ikea (camisa casual e colete), Brodin admite que levou tempo para a empresa se preparar para a mudança. “Como líder, você precisa servir de inspiração na linha de frente e se envolver nos detalhes, e você precisa lidar com os problemas impossíveis”, diz ele.

Ele cita duas dificuldades principais em liderar a transformação: “Tivemos que aceitar que iríamos mudar pelo menos em parte o modelo de negócios. E depois, eu diria, o medo do desconhecido. Tive alguns momentos assustadores. Mas também havia a ideia de que não fazer nada não parecia ser muito atraente.”

O plano parece estar funcionando. As vendas on-line aumentaram de cerca de 6% das vendas totais para 25%. Uma loja nova e menor em um shopping center no centro de Estocolmo ajudou a aumentar o tráfego anual na capital sueca – onde a Ikea tinha apenas duas lojas fora da cidade – de 6 milhões para 9 milhões.

Kamprad não compartilhava da visão digital, mas muito do espírito do fundador ainda vive na Ikea, incluindo a aceitação de erros. Kamprad – que destilou sua sabedoria caseira em um pequeno livro lançado em 1976 e intitulado “Testamento of a Furniture Dealer (“Testamento de um vendedor de móveis”) – costumava interromper as reuniões de planejamento e pedir aos gerentes para que listassem seus erros.

Brodin se baseou nisso, dando aos funcionários uma “licença para enlouquecer”, para assim tentar superar o medo de errar. Isso significa em tese que se eles assumem um risco e não der certo, eles já têm o perdão antecipado de Brodin. Sua equipe está compilando um livro dos melhores erros. O objetivo é incentivar mais empreendedorismo, um desafio em uma empresa que ficou tão grande – a Ingka, a holding que controla a Ikea, teve uma receita de 42 bilhões de euros no último exercício.

Brodin não se poupa, dizendo que cometeu três erros na loja Madeleine em Paris. Inicialmente a Ikea decidiu abandonar seu layout labiríntico na loja, trocando-o por um projeto mais fluido, mas os clientes reclamaram. “Quero saber se não estou perdendo nada”, disse um consumidor. O labirinto foi restabelecido, mas com atalhos sinalizados. A logística no centro da cidade também foi um problema – algo que a Ikea teve que aprender por tentativa e erro. Finalmente, a Ikea alugou o espaço da loja porque Brodin não queria apostar demais em seu sucesso, mas ele afirma que a companhia agora está passando de ser dona de 20% dessas lojas para perto de 80%.

Outro erro ele cometeu foi se concentrar demais nas lojas novas e menores, em detrimento das maiores, que compunham a maior parte do negócio. “Corrigimos isso”, disse ele. Ajuda o fato de que parte da solução para o problema digital veio das lojas existentes da Ikea – em vez da construção de novos armazéns para atender os pedidos on-line, a Ikea usa suas lojas fora das cidades, tornando-as mais eficientes.

Se Brodin tem um mantra, é “ame o passado, crie o futuro”. Seu plano surgiu do que ele chama de duas “arrancadas de três anos”, para que as pessoas não intelectualizassem demais os problemas. A atual arrancada deve terminar em um ano e Brodin acredita que a próxima poderá se concentrar na sustentabilidade e na cadeia de suprimentos da Ikea. A companhia, até 2030, prevê reduzir mais emissões do que sua cadeia de suprimentos emite. Mas Brodin diz que quer fazer mais para proteger a natureza e o clima.

Ele é firme sobre como a sustentabilidade precisa ser aplicada a todas as faixas de preço, e não apenas para os produtos de luxo. Ele chama isso de “mito perigoso”. “Se as coisas são acessíveis, isso significa que elas têm qualidade ruim e são prejudiciais para a natureza.”

Ao fim da entrevista, Brodin mostra a mais recente inovação da Ikea: uma “sala imersiva”, onde você pode ver cozinhas ou quartos e instantaneamente mudar cores ou o design para testar como eles ficariam em sua casa. Para Brodin, isso é um sinal de como a transformação da Ikea está em andamento.

“Nunca terminamos. No próximo outono começaremos de novo, nos renovaremos e perguntaremos qual será a próxima grande novidade. Podemos sentir que o ritmo de transformação continuará”, diz o executivo.

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