Há poucas mulheres nos caminhos tradicionais para o topo
Para que o número de executivas-chefes cresça, é necessária uma mudança significativa nas práticas de recrutamento
Por Emma Jacobs – Do Financial Times
Tradução: Lilian Carmona – Jornal Valor Econômico
27/07/2023
A chefe da Chanel, Leena Nair, e a ex-chefe da Xerox, Anne Mulcahy, têm algo em comum: elas foram nomeadas CEOs de suas empresas depois de acumularem uma vasta experiência na área de recursos humanos. Mas as promoções das duas não são exemplos típicos. Números da empresa internacional de dados BoardEx mostram que um caminho muito mais comum para o cargo principal de uma empresa é via postos nas áreas financeira e operacional – e esses ainda são ocupados esmagadoramente por homens.
Para que o número de CEOs mulheres nos Estados Unidos e no Reino Unido cresça, a BoardEx considera que é necessária uma mudança significativa nas práticas de recrutamento. Ou as empresas ampliam suas buscas para além dos empregos que tradicionalmente são dominados por homens, ou intensificam os esforços para nomear mulheres para esses cargos.
“Há um número limitado de candidatas para uma posição de CEO”
— Maya Imberg
A partir de dados exclusivos sobre os cargos mais altos dentro do S&P 500 e do FTSE 350, o “Financial Times” analisou a lista de potenciais futuras CEOs e estimou o curso para uma igualdade maior na liderança das empresas.
Como as mulheres são uma minoria nos cargos mais altos das áreas comercial, operacional e financeira, “há um número limitado de possíveis candidatas para uma eventual posição de CEO” — Foto: Pexels
Este ano, o grupo britânico de telecomunicações Vodafone promoveu sua diretora financeira, Margherita Della Valle, e fez dela sua primeira CEO mulher. É uma trajetória comum na carreira – no FTSE 350 como um todo, 13% dos atuais executivos-chefes eram CFOs antes de serem promovidos, de acordo com dados fornecidos pela BoardEx. Ainda assim, hoje, apenas 23% dos cargos de diretor financeiro do Reino Unido são ocupados por mulheres, o que é uma indicação do desafio que as empresas têm por diante para alcançar um nível melhor de diversidade de gênero.
De maneira semelhante, dos chefes do S&P 500, 13% foram promovidos de cargos de diretor de operações e 6% de CFOs, dois postos em que há um forte predomínio de homens nos EUA.
Os dados da BoardEx analisaram as carreiras de executivos-chefes atuais ao longo de um período de 20 anos. Isso mostrou uma tendência clara de que os CEOs sobem na hierarquia a partir de funções financeiras e operacionais, tradicionalmente dominadas por homens. Cerca de 45% dos que eram executivos-chefes no S&P 500 e no FTSE 350 no primeiro trimestre de 2023 já tinham dirigido uma divisão. Um quinto dos CEOs do S&P 500 e um quarto dos do FTSE ocuparam cargos na área de finanças. Apenas 1,4% dos atuais CEOs no S&P 500 e 1,6% no FTSE 350 tiveram experiência na área de recursos humanos nos 20 anos anteriores a suas nomeações. Cerca de 9% dos chefes dos EUA e de 5% por cento dos do Reino Unido ocuparam cargos na área de marketing.
Há mais executivas-chefes nos EUA e no Reino Unido hoje do que há cinco anos, segundo os dados da BoardEx – mas os números ainda não chegam nem mesmo a dois dígitos. As mulheres representam 8% dos CEOs tanto no S&P 500 como no FTSE 350, em comparação com 4% nos dois índices em 2018.
Desça um nível e as mulheres ainda são de longe a minoria, embora os números sejam maiores. Elas detêm 21% dos altos cargos na área financeira das principais empresas americanas, mais do que os cerca de 18% de cinco anos atrás, de acordo com a BoardEx. Amy Hood, da Microsoft, Ruth Porat, da Alphabet, e Colette Kress, da Nvidia, estão entre as CFOs do sexo feminino nos EUA. O grupo britânico de gestão de água Severn Trent, uma das poucas empresas do FTSE 100 a ter uma CEO mulher, nomeou recentemente Helen Miles como diretora financeira. No Barclays, Anna Cross ocupa a mesma função desde o ano passado.
No universo dos cargos executivos mais altos das empresas, as áreas em que as mulheres constituem a maioria são as de recursos humanos, marketing e relações públicas. Elas respondem por cerca de metade dos altos cargos na área de sustentabilidade e 40% dos altos cargos jurídicos. Mas os dados da BoardEx sugerem que historicamente essas funções não têm servido como um trampolim para o cargo mais alto de todos.
Maya Imberg, diretora sênior da BoardEx, diz que poucas mulheres ganham experiência relevante durante suas carreiras para mais tarde se tornarem CEOs de uma grande empresa com ações negociadas em bolsas. Segundo ela, como as mulheres são uma minoria nos cargos mais altos das áreas comercial, operacional e financeira, “há um número limitado de possíveis candidatas para uma eventual posição de CEO”.
Imberg acrescenta que, para construir essa trajetória em empresas de capital aberto no Reino Unido e nos Estados Unidos, “as líderes mulheres precisam ganhar mais experiência em funções comerciais ou executivas nas áreas de finanças, operações ou vendas”.
Executivas-chefes que começaram a carreira no setor de recursos humanos frequentemente ganharam experiência em outras áreas de suas empresas antes de conseguirem o cargo principal. Mulcahy, por exemplo, começou sua carreira na Xerox em RH, mas passou por altos cargos operacionais antes de se tornar CEO. Mary Barra, CEO e presidente da General Motors, comandou outras seções da montadora de automóveis depois de ter sido vice-presidente mundial de RH. Roisin Currie, executiva-chefe da rede britânica de padarias Gregg’s, passou 30 anos em RH, mas ganhou experiência adicional como diretora de varejo e da área imobiliária da empresa.
Seja como for, há indicações de uma mudança na forma como as empresas percebem as funções de RH, o que pode ajudar mais mulheres a subirem na hierarquia. Hoje há mais propensão a considerar os cargos no setor de RH como parte dos cargos executivos mais altos do que há cinco anos. De acordo com dados da BoardEx, 59% das empresas do FTSE 350 têm um diretor de RH em sua equipe de liderança mais importante, um salto com relação aos 42% de 2018; no S&P 500, a mesma coisa ocorre com 77% das empresas, em comparação com 61% em 2018.
A inclusão de funções de áreas com predomínio de mulheres, como a de RH, nas equipes de liderança mais importantes pode ajudar a ampliar o grupo de possíveis executivas-chefes. “O RH não é mais o primo caipira que costumava ser”, diz Denise Wilson, CEO da FTSE Women Leaders Review. “O pós-covid trouxe mudanças monumentais sobre o que é necessário para a liderança e as expectativas entre os funcionários.”
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