Inteligência temporal para lidar com a complexidade atual

Inteligência temporal para lidar com a complexidade atual

O autor Roman Krznaric, professor de Oxford, defende a perspectiva do bom ancestral para alcançar a sustentabilidade nos negócios

Por Adriana Fonseca  — Jornal Valor Econômico

03/10/2024

Roman Krznaric: “Tenho esperança de que haja um tipo emergente de economia regenerativa” — Foto: Divulgação

As ações que praticamos hoje são potencialmente prejudiciais, levando a consequências para as gerações futuras. Isso em diversas áreas: riscos tecnológicos, inteligência artificial, engenharia genética e, claro, a crise climática global. E é por isso que o PhD em sociologia política e professor da Universidade de Oxford, Roman Krznaric, australiano radicado na Inglaterra, ressalta a importância de uma nova habilidade: a inteligência temporal. “Em um certo sentido, eu sinto que quase colonizamos o futuro”, disse em entrevista ao Valor por videochamada de sua residência em Londres.

Krznaric é cofundador da The School of Life, uma escola britânica especializada em desenvolvimento de inteligência emocional, com dez unidades em diferentes países. É também autor dos livros “Como ser um bom ancestral” (editora Zahar), “Como encontrar o trabalho da sua vida” (editora Objetiva) e “História para o amanhã: Inspirações do passado para o futuro da humanidade” (editora Difel), que será lançado em novembro em português. Ele estará no Brasil para dois eventos este ano: a 24ª edição do HSM+, em novembro, e a masterclass “A arte da inteligência temporal”, no dia 6 de dezembro, na sede da The School of Life Brasil, em São Paulo.

Na visão dele, esse fato de que estamos colonizando o futuro tem implicações hoje para as lideranças das organizações. “Eu acho que qualquer líder e organização precisa se perguntar: como podemos ser bons ancestrais?”, provoca. “Além da minha própria carreira, além da minha própria vida, como vou deixar o mundo um lugar melhor? Esta é a forma que os líderes precisam trabalhar.”

“Não podemos criar sociedades resilientes sem que aprendamos a pensar em um período de tempo mais longo”

Nesse sentido, ele defende uma liderança de longo alcance, com uma habilidade chamada de inteligência temporal – capacidade de pensar em múltiplos horizontes de tempo e modos temporais, tanto em relação ao futuro quanto ao passado. “Muitas vezes pensamos em ser inteligentes em relação ao tempo, pensando em sermos eficiente aqui e agora, sendo mais produtivos. Bem, não estou dizendo que é o oposto disso. É sobre ser capaz de pensar tanto no curto como no longo prazo, no futuro e também no passado. É sobre ter um senso maior de tempo, porque eu não acho que podemos criar sociedades que sejam resilientes diante de todos esses problemas a menos que aprendamos a pensar em um período de tempo mais longo.”

Krznaric costuma propor a lideranças de empresas e de governos um exercício que permite sentir melhor o impacto que estamos causando para gerações futuras – está em seu livro “Como ser um bom ancestral” e ele o descreve: “Eu faço com que essas lideranças fechem os olhos e imaginem um jovem que faz parte da vida deles, alguém com quem eles realmente se preocupam, pode ser um afilhado, sobrinho ou sobrinha, ou o próprio filho ou neto. E então eu peço a essas pessoas, com os olhos fechados, que deem um passo à frente e imaginem aquele jovem trinta anos no futuro, imaginando seu rosto, suas alegrias e as lutas que ele pode estar enfrentando. E então eu peço a essas lideranças para darem um passo final. Ainda com os olhos fechados, imaginem agora a festa de noventa anos desse ‘jovem’. Ele tem noventa anos, está cercado por familiares e amigos, colegas de trabalho, vizinhos, e eu peço à pessoa que está fazendo o exercício que ela vá e dê uma olhada pela janela. Que tipo de mundo você vê lá fora? Então eu peço que essa pessoa volte e começo a dizer que aquele ‘jovem’ que agora completa 90 anos vai se levantar para fazer um discurso de aniversário quando de repente ele vê uma fotografia sua na mesa, de você, um ancestral já falecido. E aí todos na sala decidem contar sobre algo que você fez para ser um bom ancestral, um legado positivo que você tenha deixado para a geração deles. E aí eu convido você, ainda com os olhos fechados, para que pense nisso por um minuto ou dois.”

Krznaric diz que quando ele mesmo fez esse exercício pela primeira vez, pensando em sua filha, na época com 10 anos, ele percebeu que sua filha não está sozinha no mundo, está inserida em uma teia de relações humanas e em uma teia do mundo vivo, “a água que ela bebe, o ar que respira” – como todos nós. “Você percebe, então, eu percebi, que se eu me importo com a vida dela eu preciso me preocupar com toda a vida”, comenta. “Você vai de algo muito pessoal para algo universal”. O pesquisador acredita que as pessoas começam a fazer grandes mudanças externas quando partem de uma mudança interna, uma percepção individual primeiro.

Krznaric diz, ainda, que geralmente há uma tensão nas organizações entre o presente e o futuro: maximizar os ganhos de agora, para atender os stakeholders, e o pensamento futuro. E diz que tem muitas organizações que ainda não pensam dez ou vinte anos à frente. “Mas acho que o que é realmente interessante é que também podemos ver uma nova geração de empresas emergentes que têm uma ‘visão longa’ e que estão conseguindo ser muito bem-sucedidas e resilientes”, afirma. Ele menciona uma empresa dinamarquesa de petróleo e gás que, mesmo sendo a maior de seu setor, criou o que chamou de “plano 85” – invertendo a proporção de produção de 85% de combustíveis fósseis e 15% de energias renováveis. A ideia inicial era, em 30 anos, ter 85% da produção baseada em energia renovável, mas a companhia fez isso em 10 anos, ele conta, e em 2018 atingiu essa meta. “Hoje, é uma das maiores empresa de energia eólica do mundo, controlando 30% da energia eólica offshore global”, comenta. “Eu gosto desse exemplo porque foi realmente muito difícil fazer essa mudança. Eles tiveram muitas brigas internas sobre isso, exatamente porque se conhece a necessidade de curto prazo, mas, na verdade, os resultados de longo prazo são enormes.”

Mais do que nas empresas tradicionais, mais antigas, Krznaric vê a grande mudança acontecendo nas organizações mais jovens, “que estão nascendo em um mundo onde eles [os empreendedores] entendem os limites do planeta e a necessidade de serem éticos com suas cadeias de suprimentos”.

Ele cita uma empresa britânica chamada Faith in Nature, que fabrica xampus e outros itens de higiene pessoal. “Alguns anos atrás eles foram a primeira empresa do mundo a dar um assento no conselho para a natureza”, afirma. “A natureza tem um assento real, então o dever legal da empresa não é apenas ganhar dinheiro, mas também proteger o planeta. É o tipo de empresa que tem essa visão mais longa”. Krznaric menciona ainda o exemplo famoso da marca de roupas Patagonia, de Yvon Chouinard, na qual o planeta Terra se tornou o único acionista e, dessa forma, os lucros da empresa passam a ser geridos e investidos por um fundo no combate às mudanças climáticas.

O pesquisador diz que não é um otimista por natureza. “Eu faço uma distinção entre otimismo e esperança”, explica. “Eu penso no otimismo como uma ideia de copo meio cheio, que tudo ficará bem apesar das evidências. Não sou otimista no sentido de como os negócios estão caminhando, devido aos riscos ecológicos e tecnológicos. Mas estou esperançoso e o que quero dizer com isso é que eu penso na esperança como estar comprometido com os valores e visão em que você acredita. Mesmo que as chances estejam contra você, mesmo que a probabilidade esteja contra você.”

Seu novo livro, “História para o amanhã”, trata um pouco disso, de como olhar através da história pode nos ajudar a ver transformações que levaram sociedades a novos caminhos. Na obra, ele desenterra insights e inspirações dos últimos mil anos que podem nos ajudar a enfrentar os desafios mais urgentes da humanidade no século 21.

Krznaric exemplifica mencionando uma região da Itália chamada Emília-Romanha, com cerca de 5 milhões de habitantes, onde a economia é um terço composta por cooperativas, e as empresas são de propriedade de seus trabalhadores. “Eles têm um dever para com o planeta”, ele diz. E essa região, conta Krznaric, lidou bem com a crise de 2008, adotando esse modelo. “Eu tenho esperança de que haja esse tipo emergente de economia regenerativa”, diz, enfatizando a importância dos governos nesse processo. “É claro que os governos precisam fazer muito mais”, diz, exemplificando. “Um iPhone normal tem uma série de elementos da tabela periódica, incluindo alguns do metais conhecidos como ‘terra-raras’, e as pessoas os jogam fora depois de menos de três anos. Na minha opinião, acho que você não deveria ter permissão para comprar um iPhone ou a empresa ser informada que em menos de cinco anos não pode mais vendê-los. Ou, sim, os únicos telefones que poderia vender são os que têm metais reciclados.”

Parece distante? Ele dá outro exemplo. “Muitas cidades estão introduzindo regras para dizer ‘em 2030, sem carros de combustível fóssil no meio da cidade’, e as empresas estão apenas se ajustando. Os fabricantes de telefones farão o mesmo. Eu acho que devemos fazer isso em muitas áreas.”

Para isso, Krznaric fala da imaginação criativa que as empresas precisam ter, “desenvolvendo uma espécie de visão regenerativa, operando dentro dos ciclos do único planeta que conhecemos que sustenta a vida”. “É sobre encontrar inspiração nesses tipos de exemplos que dei aqui”, comenta. “Isso pode fazer você pensar que talvez não tenha que ser assim [como a maioria das empresas opera hoje].”

Ele cita fundos de investimento que já fazem aportes exclusivamente em empresas ecologicamente sustentáveis e também o interesse crescente de pessoas trabalharem em organizações que estão alinhadas com seus valores pessoais. “Eu vejo os alunos saindo da Universidade de Oxford e eles não querem apenas trabalhar para grandes bancos de investimento, eles querem trabalhar para algo que pareça mais alinhado [com seus valores e o futuro da sociedade], algo de uma linha ecológica, cidades inteligentes, ou outra coisa”, comenta. “E voltamos ao tema da importância de a liderança ter uma boa atitude ancestral, sobre como trazer esses valores de forma profunda para a empresa, como dar às pessoas uma participação na propriedade… eu acho que isso [esse tipo de mentalidade] não vai embora, vai crescer mais e mais.”

Também fundador do Museu da Empatia e pesquisador sênior em Oxford no Centro para Eudaimonia e Florescimento Humano, Krznaric conclui dizendo que um grande líder hoje precisa ajudar suas organizações a desenvolver não apenas inteligência emocional, mas a inteligência temporal, o pensar através do tempo. “Inteligência emocional e empatia falam muito sobre o funcionamento interno de uma organização, mas então há aquela parte mais externa, que é sobre essa visão de longo prazo temporal.”

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