Liderança ética é mais do que um modelo de comportamento

Liderança ética é mais do que um modelo de comportamento

Porque alinhar o discurso à prática não é o suficiente para que um líder tenha uma boa reputação?

Por Tatiana Iwai – Jornal Valor Econômico

27/09/2024

O tom vem do topo. A expressão é bem conhecida, mas sempre válida para nos lembrar do papel fundamental que as principais lideranças de uma organização têm para moldar sua cultura organizacional. O que as lideranças falam, como agem, onde dedicam atenção e esforços, servem como modelo de conduta e estabelecem expectativas de comportamento para os outros.

Mas se o tom vem do topo, então os eventos recentes de lideranças proeminentes dando declarações desastrosas sobre equidade de gênero e outras sendo acusadas de desvios éticos acendem um alerta sobre que tipo de sinal vem sendo emitido pelo topo. Mais importante, talvez, estes eventos nos ajudem a refletir de forma mais ampla sobre o que entendemos por lideranças éticas e como cultivá-las.

O que, no imaginário coletivo, as pessoas associam a líderes éticos? Pesquisas anteriores indicam que, acima de tudo, são vistos como orientados a pessoas. Menos autocentrados e com um olhar mais atento ao outro, de cuidado, de respeito, de fazer a coisa certa. São vistos também como tendo traços e ações eticamente visíveis. Ou seja, são percebidos como honestos, corajosos, justos e, agindo de forma coerente, comunicando-se de forma aberta, ouvindo ativamente e atentos a resultados para além dos estritamente financeiros.

Não tenho dúvidas que, ao ler esta descrição de liderança ética, muitos executivos vão se identificar com várias destas características e genuinamente concluir que são vistos como líderes éticos. Não necessariamente. Claro que esses elementos são importantes. Quando líderes não são pessoalmente íntegros ou dizem uma coisa e fazem outra, rapidamente passam a ser vistos como hipócritas ou cínicos. Isso explica em parte porque estamos observando tantas lideranças caindo de suas posições – porque elas falharam em alinhar o discurso à prática. Porém, ainda que o “walk the talk” seja uma condição necessária para a liderança ética, ele não é suficiente.

De fato, nossa percepção de uma liderança ética se constrói, em grande parte, pelas experiências compartilhadas com os líderes. São momentos corriqueiros, mas decisivos, em que podemos observar de perto e em primeira mão como estes líderes agem – demonstrando cuidado genuíno pelas pessoas, escutando com atenção e sendo justos no tratamento com os outros. São essas interações que revelam os valores dos líderes em ação, expressos em gestos, palavras e decisões.

Colunista alerta que quando líderes não são pessoalmente íntegros ou dizem uma coisa e fazem outra, rapidamente passam a ser vistos como hipócritas ou cínicos. — Foto: Pexels

Há, porém, um detalhe importante que muitas vezes passa despercebido quando se trata de ser reconhecido como um líder ético. Agir de forma honesta e justa no dia a dia ensina sim pelo exemplo, mas impacta apenas aqueles que estão no círculo imediato da liderança, que interagem regularmente com os líderes e têm acesso aos detalhes das decisões diárias. Ou seja, o círculo mais próximo, de convivência intensa e direta, certamente percebe essas nuances.

Mas e a força de trabalho mais ampla? Como ficam aqueles com quem os líderes raramente interagem, ou que mal conhecem? O raio de influência fica limitado pela distância física e hierárquica. Exatamente por isso, mais do que agir de forma ética cotidianamente, há o desafio de construir uma reputação ética ampla que se estenda por toda a organização e vá além dela. Frequentemente, as pessoas subestimam os desafios de comunicar seus valores éticos e, com isso, correm o risco de serem vistas como lideranças neutras em termos éticos.

Para evitar a percepção de neutralidade e superar o distanciamento físico e a falta de interações — essenciais para liderar pelo exemplo — é preciso ser intencional ao dar visibilidade e saliência às ações que expressem seus valores. Isso significa ir além de simplesmente fazer a coisa certa no dia a dia. Mais que isso, é necessário lidar abertamente com dilemas éticos e, especialmente, garantir que as pessoas compreendam o porquê de decisões difíceis.

Vale sempre lembrar que, em várias dessas decisões, ainda que a liderança tenha ponderado cuidadosamente questões éticas, muitas pessoas não estavam presentes durante a discussão. Elas não ouviram os argumentos e contrapontos que sustentam a dimensão ética da sua escolha, o que lhes permitiriam reconhecê-lo como uma liderança ética. A questão, então, não é apenas como agir de forma ética, mas como você pode garantir que suas ações sejam compreendidas como éticas. É isso que vai determinar que sua liderança seja percebida como genuinamente ética.

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