Maior entrave para a inovação acontecer está na gestão de pessoas

Maior entrave para a inovação acontecer está na gestão de pessoas

Investir apenas em tecnologia não garante às companhias os avanços que surgem com novas ideias e iniciativas dos funcionários

Por Jacilio Saraiva  — Jornal Valor Econômico

10/10/2024

Contar com um orçamento folgado e acesso às novas tecnologias não é suficiente para acelerar a inovação nas corporações. Entre as empresas que enfrentam dificuldades para deslanchar rotinas inovadoras, mais da metade aponta que os maiores obstáculos para alavancar a área estão ligados à gestão de pessoal e o apoio das chefias.

É o que indica pesquisa realizada pela Panorama, uma comunidade global que reúne 18 consultorias especializadas em seleção de executivos e de serviços para conselhos.

De acordo com o levantamento, concluído em setembro com 150 CEOs de multinacionais de 16 países, inclusive o Brasil, 62% acreditam que a inovação é fundamental para a estratégia organizacional, mas 48% encontram travas para colocá-la em prática.

Dentro dessa parcela, 15% percebem a resistência dos funcionários à inovação, 11% citam a falta de adesão das lideranças e apenas 7% sinalizam desafios tecnológicos.

Demarch, do Einstein, vê a área de inovação como uma unidade de serviço, facilitando a conexão com departamentos e líderes — Foto: Gabriel Reis/Valor

“Os números reforçam que inovação está relacionada ao comportamento das equipes, não à tecnologia. Ela precisa sair das salas de reuniões e atingir toda a empresa”, diz Thais Pegoraro, sócia da consultoria EXEC, de seleção de executivos, e membro da Panorama. “O time operacional deve focar na execução e entrega de metas, enquanto os líderes precisam se concentrar na adaptação do modelo de negócio, a fim de garantir que mudanças sejam normalizadas.”

Para a especialista, a chave de uma cultura de inovação forte está na transformação da mentalidade dos funcionários. “A inovação só começa quando as pessoas agem de forma diferente”, destaca Pegoraro. Pequenas modificações em processos de trabalho e na atitude dos gestores são necessárias para que a inovação “floresça” no ambiente corporativo, continua. “Um exemplo é criar fóruns sobre ‘falhas’ e objetivos para que os times funcionem como ‘squads’ multidisciplinares, estimulando a experimentação com rotinas ágeis de produção.”

O líder deve ter uma visão de inovação adequada ao negócio e saber influenciar pessoas”

— Thais Pegoraro

A alta administração é essencial no arranque da inovação, assinala. “Mas o líder precisa ser capaz de conduzir essa transição”, afirma. “Deve ter uma visão de inovação adequada ao negócio e saber influenciar pessoas.”

Identificar métricas de incremento de projetos e negociar com os stakeholders uma autonomia de orçamento, com recursos dedicados ao RH e à área de tecnologia, também são diretrizes que não podem sair da agenda das chefias da área, acrescenta Pegoraro.

É o que faz Rodrigo Demarch, diretor-executivo de inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, complexo de saúde que conquistou a primeira colocação no ranking “Valor Inovação Brasil 2024”, principal premiação no campo de pesquisa, desenvolvimento e inovação do país, realizada pelo Valor, em parceria com a Strategy&, da consultoria PwC. “Minha principal responsabilidade é desenvolver uma estratégia de inovação”, diz. “Esse papel considera a área como uma unidade de serviço, facilitando a conexão com outros departamentos e líderes. Uma parte significativa do trabalho é engajar as equipes em projetos e identificar como a inovação pode agregar valor a eles.”

A agenda de Demarch, que se reporta diretamente ao CEO do Einstein, envolve o relacionamento com atores da indústria, busca de parcerias e alianças com startups. Ele também dá mentoria para empreendedores e supervisiona ações de corporate venture capital (CVC) e de validação de tecnologias.

Para dar conta da diversidade de tarefas, a aposta foi investir em pessoal. O braço de pesquisa e inovação do Einstein conta com 458 profissionais, distribuídos em setores como pesquisa (235 pessoas), big data (112) e inovação (111). Este ano, foram contratados dois executivos para coordenar projetos de gerência médica e venture building (criação de startups).

“Temos vagas abertas em São Paulo, Goiânia e no centro de inovação em Manaus, inaugurado no primeiro semestre”, diz o diretor. “De maneira geral, procuramos técnicos, entre mestres e doutores, em nichos como biotecnologia, digital e ciência de dados, com conhecimento em empreendedorismo”. Dos 111 profissionais dedicados à inovação na equipe, 14 têm doutorado e sete concluíram mestrados.

Na PepsiCo, empresa global de alimentos e bebidas, um dos segredos para gerar novas ideias é alinhar expectativas sobre o tema com gestores de todos os departamentos. “A conexão com a alta liderança é fundamental, mas para que a inovação aconteça, precisamos estar em contato com diversas frentes da organização”, explica Carolina Sevciuc, diretora sênior de estratégia e transformação da PepsiCo no Brasil, responsável pela inovação na companhia. “Junto às divisões de pesquisa e desenvolvimento, vendas e marketing, por exemplo, essa troca resulta em ganho de agilidade no desenvolvimento de produtos, digitalização da força de vendas e trocas com startups.”

Segundo a executiva, um dos primeiros passos na jornada de inovação do grupo foi colocar os funcionários “a bordo, para que se sentissem parte da solução”. “Oferecemos um programa chamado ‘We digital’, com recursos educacionais de progressão de carreira, com assuntos como liderança, gerenciamento e novas habilidades”, relata.

A equipe de inovação da PepsiCo no Brasil conta com mais de 150 integrantes, sendo 7,6% do total com mestrado e 1,3% com doutorado no currículo. Doze funcionários foram contratados em 2023 e 16 em 2024. Há três posições em aberto. “O mais importante é se cercar de pessoas curiosas, com pensamentos divergentes”, ensina. “É o que chamo de ‘desconforto’ positivo.”

Sevciuc sugere que as lideranças recorram à empatia e escuta ativa com o intuito de manter os funcionários afinados com os planos da área. “[É essencial] construir um ambiente de trabalho com equipes motivadas e estar aberto a rever conceitos”, diz. “Para que isso aconteça, a diversidade é crucial, pois nos mostra pontos de vista que, por conta de vieses, muitas vezes não enxergamos.”

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