Mudança de Carreira x Burnout – Neurocirurgião do MIT deixa a carreira

Mudança de Carreira x Burnout – Neurocirurgião do MIT deixa a carreira

Médico americano avalia ter tido uma “crise de meia-idade” por dilemas morais e éticos

Por Artur Scaff – Jornal Valor Econômico

24/07/2024

“Depois de quase 20 anos [de carreira], me demiti ano passado, e quase ninguém entendeu o porquê.” O relato é parte do desabafo em vídeo do neurocirurgião americano Goobie (pseudônimo utilizado em seu canal do YouTube), que decidiu largar a profissão quando parou de ver sentido no próprio trabalho. “Eu acho que isso é o que as pessoas chamam de uma crise de meia-idade”, diz em um trecho do vídeo.

Ao longo mais de uma hora, Goobie conta que se formou em medicina no Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das melhores universidades do mundo, e que trabalhou por duas décadas como neurocirurgião com operações focadas na coluna vertebral — até que parou de ver propósito no que fazia.

“Me tornei médico para ajudar as pessoas. No início da faculdade, fiz o Juramento de Hipócrates, e me lembro de um dos professores mais antigos dizer que o nosso trabalho é para amenizar o sofrimento, não para fazer cirurgias ou dar remédios, mas para diminuir a dor dos outros. [Isso] pode ser feito com operações e medicamentos, mas também por apenas ouvir e entender o que as outras pessoas estão passando”, diz Goobie.

A questão do neurocirurgião é que, mesmo com as tecnologias e técnicas mais avançadas que tinha aprendido especialmente para sua área, sua atuação se restringia a “apenas” tratar dos problemas dos pacientes, não a lidar com aquilo que causava a enfermidade.

Apesar de conseguir ajudar alguns pacientes, Goobie diz que via “muito mais sofrimento do que ele conseguia aliviar”. O neurocirurgião percebeu que a resposta de seus pacientes à cirurgia era muito variada, com algumas pessoas mostrando bons resultados e uma ótima recuperação, enquanto outras não tinham um quadro de melhora mesmo após a cirurgia.

Havia ainda aqueles pacientes que, de uma semana para outra, sequer precisavam de intervenção cirúrgica, porque a dor deles sumia — o que o levou a estudar para tentar entender a razão por trás dessas diferenças.

Dilema moral ou crise de meia-idade?

Goobie diz que observou que as pessoas que melhoravam geralmente tinham certos hábitos em comum, como: dieta baixa em sal e rica em vegetais; praticavam atividades físicas; não fumavam ou bebiam muito; tinham amigos e família próximos; sono de aproximadamente 8h e não eram estressadas.

Segundo ele, pessoas desse grupo se recuperavam muito mais rápido que as demais — sendo que às vezes sequer precisavam de cirurgia. Mas isso se tornou um problema para ele, relatou Goobie.

“Isso é um problema porque o nosso sistema médico [nos Estados Unido] não foi construído para essas práticas. Os hospitais foram feitos para gerar dinheiro, eles precisam crescer economicamente. O problema é que se você acha um jeito para as pessoas se curarem sem um medicamento ou cirurgia, sem fazerem um pagamento, você fica sem um emprego”, diz.

Goobie conta que esses questionamentos e críticas se tornaram um dilema moral que o fizeram deixar de ver sentido em sua profissão. Ele resume que “via a medicina focando nos lugares errados, mais preocupada em fazer dinheiro com cirurgias e pílulas”.

Saúde mental e o trabalho

No decorrer do vídeo, Goobie diz que a desconexão entre os seus valores morais e éticos e aquilo que ele enxergava em seu trabalho estavam gerando um impacto psicológico e físico em si mesmo. O médico relata que engordou cerca de 18 kg em poucos meses e que estava tendo dificuldades para dormir, estava estressado e se irritava com maior facilidade.

Desalinhamento, falta de sensação de pertencimento dentro do ambiente de trabalho são alguns sintomas que podem levar um profissional a desenvolver a Síndrome de Burnout, aponta o psiquiatra Pedro Pan.

A Síndrome de Burnout, ou “Síndrome do Esgotamento Profissional”, é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho ou acadêmicas desgastantes.

Pan aponta que, caso atendesse um paciente com as mesmas queixas de Goobie, ele recomendaria um afastamento do trabalho ao profissional e indicaria acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

“Ele [Goobie] vivenciou todos os pilares do Burnout, além de citar alguns elementos que sugerem um esgotamento profissional muito grande. Ele estava fisicamente mal, exausto, ganhando peso, irritado e ansioso. Então, a saúde mental estava muito prejudicada, dormindo mal e se alimentando mal”, explica Pan.

Mudar de carreira é mais comum do que parece

Especialistas em carreira consultados pelo Valor afirmam que a mudança de carreira no meio do percurso profissional é mais comum do que parece — e pode não ter nada a ver com uma “crise de meia-idade”, como Goobie reflete no vídeo.

O caso do neurocirurgião é bem específico. Recebendo altos salários, o médico teve liberdade para se demitir sem que isso fosse um grande problema para sua vida financeira.

Porém, para a maior parte das pessoas com esse desejo, a vida financeira pode ser um empecilho na hora de tomar uma decisão radical como é a de mudar de carreira. Ainda assim, as profissionais ouvidas elencam dois fundamentos que as pessoas nesta situação devem se inspirar: que valores não se negociam e que é possível mudar de carreira mais tarde na vida.

Tamires Cruz, especialista em recolocação profissional, diz que é preciso ter autoconhecimento das próprias habilidades ao iniciar este tipo de movimento.

“Se você não vê mais propósito na sua área, a primeira coisa que a pessoa precisa saber é que ela não precisa se aposentar nesta profissão e procurar quais são seus talentos e quais áreas ela pode aplicar a eles. O autoconhecimento, a estratégia de carreira e a profissionalização são essenciais para traçar uma nova carreira”, diz Tamires.

É por isso que a mentora de RH Natália Soares, do Instituto NS, sugere uma reflexão tanto profissional quanto financeira para iniciar a transição de carreira. “É necessário avaliar qual é sua situação financeira, para saber quanto tempo a pessoa pode ficar desempregada ou até mesmo as faixas salariais dessa nova carreira”, aponta.

Decidido pela transição, o profissional precisará analisar meios de começar de novo. “[Precisará] Trabalhar possíveis novas habilidades que a nova área vai requerer e [pensar no] networking para entrar no mercado. A maior parte das pessoas faz essa transição gradualmente, já que nem todos têm dinheiro para permanecer desempregado por muito tempo”, diz Natália.

Essa transição gradual engloba etapas como a realização de cursos profissionalizantes, ajustes no currículo e nas redes profissionais (como o LinkedIn), análise de mercado e a procura de novas vagas mesmo estando no emprego antigo, completa Tamires.

 

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