‘Você pode escolher se concentrar no que importa’, diz Daniel Goleman
Autor, considerado o “pai” da inteligência emocional, fala como é possível buscar o desempenho ideal sem chegar ao burnout
Por Stela Campos – Jornal Valor Econômico
11/07/2024
Quando Daniel Goleman lançou o livro “Inteligência Emocional” há quase 30 anos, falar de emoções no trabalho era algo que não combinava com o mundo corporativo. Considerado um dos primeiros estudiosos do tema no mundo, hoje não está sozinho, surgiram outras nomenclaturas e uma grande popularização do conceito. “É até engraçado ver a moda ir e vir”, comenta o autor.
Mas o fato é que, segundo ele, mais estudos comprovam agora o quanto as emoções influenciam a performance nas organizações. “A forma como o cérebro é construído não permite que deixemos nossas emoções em casa e o que quer que aconteça no trabalho se soma ao que já estamos sentindo”, disse em entrevista ao Valor, em passagem por São Paulo. “Se você tem um chefe que odeia, vai sentir raiva, talvez tristeza e certamente ansiedade. Mas, se seu chefe está enviando emoções positivas, entusiasmo, motivação, você capta isso e seu desempenho melhora.”
Doutor em psicologia pela Universidade de Harvard, antes de escrever dezenas de livros sobre gestão, Goleman atuou como jornalista científico por 12 anos no “ The New York Times ”. Este ano, ele lançou “Optimal” (editora Objetiva), junto com Cary Cherniss, onde fala sobre como atingir o desempenho máximo nas equipes e na liderança e também revisita os principais conceitos do seu primeiro livro. A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Desde que o senhor publicou “Inteligência Emocional”, há quase 30 anos, o que considera que mudou na forma como lidamos com as emoções no trabalho?
Daniel Goleman: Quando escrevi “Inteligência Emocional”, há quase 30 anos, as pessoas me diziam que não se podia usar a palavra emoção no mundo dos negócios. Diziam que as duas coisas não combinavam. Era o entendimento cultural de que as emoções não tinham lugar no trabalho. Essa é uma teoria interessante, mas, na verdade, a forma como o cérebro é construído não permite que deixemos nossas emoções em casa quando vamos para o trabalho, nós as levamos conosco, e o que quer que aconteça no trabalho se soma ao que já estamos sentindo. Se você tem um chefe que odeia, vai sentir raiva, talvez tristeza e certamente ansiedade. Se você tem um chefe que ama, vai se sentir bem diferente. E a ciência agora sabe que a forma como você se sente afeta o quão bem você pode trabalhar ou não. As emoções são contagiosas e passam mais fortemente da pessoa mais poderosa para a menos poderosa. Então, o líder é o emissor de emoção, quer reconheça isso ou não. Se seu chefe está enviando emoções positivas, entusiasmo, motivação, você capta isso e seu desempenho melhora. Se for o contrário, ele está com raiva, de mau humor, você capta isso e seu desempenho diminui. Isso não é uma ideia, é resultado de uma boa pesquisa em Yale.
“O estado interno de uma pessoa determina o quão bem ela pode fazer seu trabalho, qualquer que seja o trabalho”
Valor: As empresas estão mais abertas a esse tema?
Goleman: A ideia de inteligência emocional se espalhou no mundo dos negócios em grande parte porque a “Harvard Business Review” publicou muitos artigos sobre o tema. Se você for a um aeroporto nos Estados Unidos, há uma prateleira de livros sobre inteligência emocional. De uma forma ou de outra, isso importa para equipes e para o desempenho individual. A ideia de inteligência emocional foi absorvida no código da cultura empresarial, em quase todos. Ela pode ser chamada de outra coisa, mas se você olhar profundamente, é a mesma coisa. Eu diria que, em última análise, o que no início era desconhecido, agora é conhecido em todos os lugares, por quase todos.
Valor: O senhor fala no livro de novos estudos sobre agilidade emocional, mindset de crescimento, empatia, resiliência, e diz que tudo já estava lá no conceito da inteligência emocional. Existe algo que considera realmente novo nessa área?
Goleman: É meio engraçado para mim ver a moda ir e vir. Houve muita conversa sobre agilidade emocional. Se você olhar para o meu estudo, eu chamo isso de adaptabilidade. Qual é a diferença? É a mesma coisa, mas tem um novo nome. Mentalidade de crescimento? Eu também falei sobre isso, mas não usei esses termos. Para os seus leitores que estão interessados em se aprofundar mais nisso, eu tenho um curso on-line sobre inteligência emocional e ele aborda cada um desses conceitos, adaptabilidade, empatia, muito mais profundamente do que podemos fazer em uma entrevista.
Valor: E o que a inteligência emocional tem a ver com resiliência? Porque estamos sobrecarregados no trabalho e, como o senhor coloca no livro, o estresse só aumenta.
Goleman: O estresse está aumentando por causa da competitividade dos negócios, das novas tecnologias, porque a vida está mais estressante hoje. A economia da vida está mais difícil do que costumava ser. Para lidar com isso, eu não acho que é preciso resiliência, eu chamo de gerenciamento emocional, lidar com suas emoções perturbadoras, sua ansiedade. Quando o corpo está sentindo estresse, é o que se chama de excitação do sistema nervoso simpático – lutar ou fugir talvez soe mais familiar. É a mesma coisa. Se o seu corpo está constantemente em estado de excitação de estresse, você está entre lutar ou fugir a maior parte do tempo, porque há uma coisa e outra coisa e outra. O que quer que esteja acontecendo é prejudicial, porque durante a excitação de estresse, seu corpo desvia energia dos seus órgãos para os seus membros, seus braços e pernas. É ruim para o seu sistema imunológico, para o seu coração e assim por diante. Portanto, a resiliência ao estresse se tornou, eu acho, mais importante como habilidade de sobrevivência.
Valor: É possível desenvolver habilidades para lidar com o estresse?
Goleman: Eu sou defensor de agendar um tempo de recuperação todos os dias. Pode ser um tempo com alguém que você ama, com o pet, uma caminhada na natureza, meditação, ioga ou qualquer coisa que ajude seu corpo a deixar tudo para trás e entrar no que é chamado de excitação do sistema nervoso parassimpático, que é o modo de recuperação do corpo. O corpo é projetado para ter uma resposta de emergência e depois descansar e se recuperar. Se você não fizer isso, alcança a exaustão emocional, e então tem um burnout. Você simplesmente não consegue aguentar mais. Eu recomendo fortemente isso, mesmo que para algumas pessoas pareça uma perda de tempo, quando deveriam estar fazendo algo de suas listas de tarefas. A recuperação é importante e fazê-la diariamente é essencial para que você possa voltar ao ambiente estressante a partir de um estado fisiológico melhor.
Valor: Como um profissional pode reconhecer que está chegando no seu limite de estresse?
Goleman: Existe o que chamamos de epifenômenos, são efeitos colaterais de estar sob estresse que dão todas as pistas. Você está ficando doente o tempo todo? Você está gritando com sua família muito mais do que costumava? Você está ficando irritado e impaciente com frequência? Esses são sinais de acúmulo de estresse. Outra coisa. Como você dorme? Você está acordando no meio da noite e não consegue voltar a dormir? Esses são todos sinais de estresse.
“O gestor deve reconhecer que a forma como ele trata o seu funcionário vai impactar no estado interno dele”
Valor: Falando sobre o estado “optimal” que dá nome ao livro, o que ele significa?
Goleman: O estado optimal foi descoberto por uma pesquisa na Harvard Business School, onde pediram a várias centenas de homens e mulheres para manterem um diário do que acontecia com eles e como se sentiam no trabalho. O que descobriram foi um conjunto de pessoas que atingiram seu estado optimal ou ideal. Durante esse estágio, elas se sentiam muito bem, estavam no seu melhor desempenho, estavam muito satisfeitas com sua posição. Elas também se sentiam conectadas com outras pessoas no trabalho. Eu descrevo em mais detalhes no livro, mas sinto que isso é muito importante para as empresas entenderem que o estado interno de uma pessoa determina o quão bem ela pode fazer seu trabalho, qualquer que seja o trabalho. Há um fenômeno chamado trabalho emocional, onde você se sente péssimo, mas tem que fingir que se sente bem.
Valor: O que caracteriza o trabalho emocional?
Goleman: Há duas semanas eu estava em um resort de luxo na Jamaica, e todos que trabalham lá têm que sorrir e olhar nos olhos do hóspede, não importa como se sintam – isso é difícil e aumenta a carga do trabalho, porque é trabalho emocional. É estressante fingir que você se sente diferente do que realmente se sente. Eu não acho importante que um gestor seja capaz de reconhecer isso, o mais importante é ele reconhecer que a forma como ele trata o seu funcionário vai impactar no estado interno dele, o que, por sua vez, afeta o quão bem ele pode executar qualquer tarefa. Acho que o gestor precisa considerar como está tratando a pessoa. Ele a está motivando, inspirando? Se está, então vai obter o melhor desempenho dela, porque se as pessoas sentem que fazem parte de uma missão maior, que tem significado para elas, elas darão o seu melhor. No entanto, se você apenas disser o que fazer, você comandar e controlar, o impacto é muito negativo.
Valor: O senhor fala no livro sobre a diferença do estado de “flow”, que é quando pessoas se entregam totalmente a uma tarefa sem ver a hora passar, e o estado optimal no desempenho. Qual é a diferença?
Goleman: O estado de flow foi descoberto na Universidade de Chicago quando perguntaram a todos os tipos de pessoas, neurocirurgiões, campeões de xadrez, bailarinas, sobre um momento em que estavam absolutamente dando o seu melhor desempenho, 120% de concentração. O problema com o flow é que você não pode fazer isso acontecer o tempo todo. É por isso que eu digo que o estado optimal é mais realista. Ele está dentro do mesmo espectro que o flow. Você tem foco total, você supera a si mesmo ou faz sua melhor performance, mas é mais voluntário. Você pode entrar nesse estado, por exemplo, concentrando-se no que está fazendo agora, trazendo sua concentração para o momento do trabalho que o leva ao estado optimal. Isso é algo que podemos escolher fazer. O estado optimal é um artefato do seu estado de humor interno. No entanto, você também pode entrar nesse estado pela concentração, focando no que está fazendo naquele instante.
Valor: As distrações do mundo moderno prejudicam essa busca pelo estado optimal?
Goleman: Existe um estudo famoso de Harvard sobre distração e devaneio mental, mostrando que isso se tornou um grande fator de estresse. Todo mundo carrega um telefone, e ele é seu melhor amigo e seu pior inimigo. Isso porque em um minuto você pode fazer o que precisa fazer, pode descobrir coisas pelo Google ou o que for. Essa é a parte boa. A parte ruim é que tudo o que você está fascinado no mundo está acessível pelo seu telefone. Toda distração está bem ali. Eu diria, no entanto, que não é realmente o ambiente de trabalho que tem distrações. É a sua mente. Você pode ter um melhor controle sobre a sua atenção. Existem dois tipos de atenção: voluntária, quando eu escolho me concentrar no que importa agora, e involuntária, que é quando estou entediado, distraído e minha mente vai para o que quer que chame minha atenção.
Valor: Quando a inteligência emocional passa a ser um diferencial para a carreira?
Goleman: Sua habilidade cognitiva, seu QI, importa enormemente durante seus anos escolares. Isso prevê, por exemplo, em que carreira você pode entrar. Você é inteligente o suficiente para obter um MBA, se tornar um advogado ou médico? No entanto, uma vez dentro dessa carreira, todos os outros são mais ou menos inteligentes como você. O QI já não é mais determinante de quem será mais bem-sucedido. A inteligência emocional passa a ser mais importante. Como você gerencia e lida com relacionamentos, que é do que se trata a inteligência emocional, é o que vai determinar se você se tornará um líder de equipe, um líder de área, se será promovido ou não.
Valor: Qual a competência mais importante de inteligência emocional que líderes devem desenvolver?
Goleman: Eu acho que inspiração, ser capaz de articular um significado compartilhado para o trabalho que estamos fazendo. Por exemplo, em um hospital, se você tiver uma reunião, você começa pedindo às pessoas para relatar seu desempenho comercial da última semana, no mês ou trimestre, ou lembrando as pessoas sobre a bela missão de curar as pessoas? Você começa falando que o que estão fazendo importa. E eu diria que ser capaz de falar com as pessoas de uma maneira que as mova é o melhor tipo de liderança.
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