Você precisa ter um ‘chief desnecessary officer’

Você precisa ter um ‘chief desnecessary officer’

As empresas estão tão ocupadas com o presente e o necessário, que falta tempo para cogitar novas possibilidades, para olhar o desnecessário

Por Nizan Guanaes – Jornal Valor Econômico

28/02/2023

Recentemente correu nas redes trecho de palestra que fiz a empresários na qual falava como sou o “chief desnecessary officer” para meus clientes. Aportuguesei o “unnacessary” do inglês para realçar o sentido.

As empresas estão tão ocupadas com o presente e o necessário, que falta à maioria delas tempo para pensar num papel em branco, para cogitar novas possibilidades, para olhar o desnecessário. A força de trabalho não tem tempo para se atualizar nem divagar, pesquisar, praticar o ócio criativo. Ela não tem tempo para saber o que é o Chat GPT antes que todo mundo saiba. Preocupada com o intenso presente, não tem tempo para isso. E é por isso que o novo nasce em Liverpool, não em Londres.

O inimigo aparece de um jeito que você não espera. O Império Romano foi derrotado não por um grande exército, mas por 12 malucos seguidores de Jesus que tinham um modelo de negócios bastante disruptivo: não tinham medo de morrer engolidos por leões.

Então, meu amigo empresário, CEO, líder: quem está cuidando do “next” na sua empresa? Hoje, as grandes empresas confiam suas atualizações a relatórios de grandes consultorias. Mas quando eles chegam, já chegaram também ao concorrente. Aquilo, muitas vezes, não é mais o futuro. É o eco que está virando passado.

Por isso, toda terça e quinta eu me dedico a estudar o futuro com professores do mundo todo. Neste ano, fui a Davos, onde vi um monte de coisas sem relação direta com o meu negócio.

Mas muitas vezes é olhando outras indústrias e coisas que não têm nada a ver com a gente que a gente acha a mina de ouro. Por quê? Porque isso lhe permite juntar pontas desconexas. Da Vinci revolucionou a pintura porque estudou anatomia indo a necrotérios analisar cadáveres. A pintura de sua época, em geral, tinha rostos com cara de natureza morta. Ele a revolucionou dando-lhe a expressão que os vivos têm, que ele tirou dos mortos. Era gênio porque se fazia perguntas investigativas que só as crianças fazem. Uma empresa tem que ter cabeça de criança. “Be silly”, dizia Steve Jobs.

O tiro virá de onde você menos espera. Seu concorrente mortal talvez não seja do seu setor, talvez não seja melhor, mas algo totalmente diferente. E se eu aprendo muito em Davos, em Israel, nos TEDs, em Harvard, eu também aprendo muito na Bahia. Em janeiro, procuro fazer “home office” por lá e ouvir o consumidor raiz. É uma aula sobre coisas que a gente não vê lendo pesquisas tradicionais. Porque o povo às vezes não sabe o que quer, mas quer o que não sabe – frase genial do Gilberto Gil. Que casa com uma frase definitiva de Peter Drucker: comunicação é entender o que não foi dito.

Uma empresa não precisa se afogar em pesquisas. Ela não precisa ficar perguntando ao consumidor. Ela precisa ficar entendendo o consumidor. Muitas vezes ele não fala a verdade ou simplesmente não sabe o que pensa sobre aquilo.

Então, precisamos investir tempo, dinheiro, pessoas, espaço nas organizações para compreender o “what is next”, que é o Apocalipse. Você está preparado para ler o Apocalipse? Aquilo é o futuro. É São João dizendo que da barriga de uma máquina sairá a resposta (Google) e que os homens falarão com as mãos (WhatsApp).

O futuro não faz sentido, e não tem jeito de prevê-lo. Só é possível construí-lo. Por isso, puxo meus clientes a olharem com um olhar não óbvio para o ponto cego, para além do lugar comum. Como diz a frase de Lennon, a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos. Senhoras e senhores: mãos à obra do desnecessário.

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