Os ‘palavrões’ da linguagem corporativa na nova economia

Os ‘palavrões’ da linguagem corporativa na nova economia

Por Moisés Naim – Jornal Estadão

14/05/2023

Na linguagem do mundo corporativo, eufemismos e neologismos servem para vender soluções ágeis e modernas

Os novos tempos renovam algumas palavras enquanto marginalizam outras ou alteram seu significado. Plataforma é um bom exemplo disso. Antes, esta palavra era usada principalmente para se referir – segundo o Dicionário da Língua Espanhola – a uma superfície horizontal, descoberta e elevada acima do solo, onde pessoas ou coisas são colocadas. Já não é mais isso. Hoje o Twitter, o Instagram, o YouTube ou o Facebook são plataformas. Assim como os milhares de novos empreendedores que inevitavelmente descrevem sua empresa da mesma maneira.

Hoje, as plataformas estão na moda. As empresas, não. Mas na prática, as plataformas são empresas que preferem disfarçar – ou apagar – sua descrição como tal. A realidade é que por trás da grande maioria das plataformas existe uma empresa com fins lucrativos.

Uma das razões pelas quais essa palavra é tão popular é que as plataformas costumam ganhar dinheiro alterando drasticamente a forma como trabalham, modificando os produtos que vendem, introduzindo novos produtos ou tornando a forma de construí-los mais eficiente. Celulares e smartphones são um exemplo dessa inovação disruptiva, pois alteraram drasticamente a indústria de telefonia e muitos outros espaços adjacentes. É claro que, para cada sucesso dessa dimensão, centenas de milhares de plataformas baseadas em uma alegada ou real inovação disruptiva fracassam.

Hoje, inovação disruptiva é um termo que não pode faltar em nenhuma apresentação que busque promover um investimento, reformular uma organização, adotar uma nova tecnologia, demitir funcionários ou lançar um novo produto — que, claro, não é mais chamado de produto, mas de solução.

Estas soluções são preferencialmente verdes e sustentáveis e operam dentro de um espaço (anteriormente conhecido como mercado).

O sucesso das empresas que, por meio de uma transformação digital reforçam a sua competitividade, explica-se como resultado de um crescimento orgânico. Isso geralmente significa aumento de vendas ou redução de custos originados dentro da organização. Tudo isso, claro, acontece graças ao time, o grupo de pessoas antes conhecido como os funcionários. As notícias sobre como as coisas estão indo na plataforma – tanto as boas como as ruins – geralmente são comunicadas em nome do time. Em princípio, o papel do líder do time não é mais comandar, mas evangelizar, educar, persuadir e encorajar o time para que seus membros estejam alinhados com a plataforma. Na verdade, existem executivos de negócios que substituem o nome de seu cargo para se referirem a si mesmos como evangelista-chefe.

Showroom da Tesla nos EUA: nova economia traz novos termos para práticas corporativas antigas Foto: Carlos Osorio/ AP

Eufemismos e neologismos

De acordo com a indeed.com, uma empresa online que busca conectar funcionários com empregadores, esses evangelistas são embaixadores ativos de um negócio, produto ou serviço. Eles divulgam uma mensagem positiva sobre uma marca e procuram encorajar outras pessoas a usar esse serviço ou produto.

Contratar alguém para fazer esse trabalho em tempo integral de evangelização pode gerar mais vendas. É por isso que é melhor para as marcas contratar evangelistas dedicados para promover produtos.

Toda esta atividade deve gerar sinergia, catalisar a mudança e alinhar a dimensão e a cultura da organização com a sua missão e as realidades financeiras da plataforma. Também deve promover a resiliência da plataforma e daqueles que nela trabalham. Resiliência é a capacidade de se recuperar de um infortúnio e se ajustar à nova situação. Algumas árvores que sobrevivem a fortes rajadas de vento são um bom exemplo de resiliência. Elas se dobram, mas não quebram. Já há algum tempo, a resiliência tem sido amplamente utilizada para designar a capacidade das organizações e dos seres humanos para se recuperarem de acontecimentos negativos.

Todos os itens acima estão fortemente imbuídos do culto à mudança. Assim, a mudança que inspira e justifica todas as palavras anteriores deve ser inédita – ou promovida como tal. Sabemos, no entanto, que mudanças sem precedentes são muito raras. Rose Bertin, a costureira da rainha Maria Antonieta, explicou na década de 1770 que não há nada novo, exceto o que esquecemos.

Nossa linguagem continua evoluindo, como sempre evoluiu, e isso serve para expressar novos valores por meio de outras frases e parágrafos. Isso, claro, não é novidade. Hoje vemos como a alergia à autoridade e à hierarquia nos leva a esconder as relações de poder por trás de uma série de eufemismos que mais obscurecem do que iluminam. E assim continuará, até que sejamos salvos por alguma nova plataforma disruptiva no espaço linguístico catalisada por uma equipe resiliente que consiga alcançar sinergias orgânicas! 

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