Os piores erros que as empresas cometem ao apostar na inovação aberta – e como evitá-los

Os piores erros que as empresas cometem ao apostar na inovação aberta – e como evitá-los

Um dos equívocos dos líderes é achar que podem continuar comandando a empresa do mesmo jeito, diz Bob Schwartz, da consultoria global Capgemini. “Não basta criar um departamento de inovação aberta”, diz. “É preciso mudar todos os departamentos da empresa para receber os projetos de inovação”

Por Marisa Adán Gil – Portal Época Negócios

19/10/2023

Bob Schwartz, vice-presidente executivo e diretor global da Applied Innovation Exchange – o hub de inovação da Capgemini — Foto: Divulgação

Aumentar o investimento em inovação aberta está nos planos de 70% das empresas, segundo a pesquisa “The Power of Open Minds”, da consultoria global Capgemini. 60% delas acreditam que a open innovation contribui para aumentar a eficiência operacional e conferir agilidade aos processos. E, mesmo assim, apenas 22% consideram os resultados “bons” ou “excelentes”. O que existe por trás dessa contradição?

Na visão de Bob Schwartz, vice-presidente executivo e diretor global da Applied Innovation Exchange – o hub de inovação da Capgemini -, as empresas ainda não aprenderam a aproveitar todo o potencial dessa modalidade de inovação. “Não é à toa: implementar a inovação aberta dentro da empresa é algo bastante complexo para os líderes. É preciso lidar com múltiplas entidades e estar disposto a experimentar uma operação totalmente diferente, ao mesmo tempo em que tenta gerar inovação e cultivar novos relacionamentos.”

Em entrevista exclusiva a Época Negócios, na véspera do Dia Nacional da Inovação, Schwartz explicou como os CEOs brasileiros podem usar a inovação aberta para superar os concorrentes na corrida pelas novas tecnologias (spoiler: o portfólio de startups tem que ser ousado). Contou ainda como a Capgemini – uma consultoria com receita anual de 22 bilhões de euros e presença em 50 países – criou um ecossistema capaz de reunir grandes empresas, startups, universidades, fundos de venture capital e órgãos públicos dispostos a trocar conhecimento, recursos e talento, em nome da inovação contínua.

Confira os principais trechos da entrevista.

Época: Segundo o estudo “The Power of Open Minds”, as empresas querem aumentar o investimento em inovação aberta e reconhecem seus benefícios. Mas apenas 22% afirmam que os resultados são bons ou excelentes. Por que você acha que isso acontece?

Bob Schwartz: Bom, para começar, não é algo fácil de fazer. Implementar a inovação aberta dentro da empresa é algo bastante complexo, na verdade. Veja bem, na open innovation, é preciso trabalhar ao mesmo tempo com múltiplas entidades, como empresas, universidades e outras organizações. Todos esses lugares têm abordagens diferentes. Como integrá-los em um mesmo modelo de inovação? A segunda razão é que, para o processo funcionar, as empresas precisam entrar em um processo de aprendizado. Você tem que estar disposto a investir e experimentar uma operação totalmente diferente, ao mesmo tempo em que tenta gerar inovação e cultivar novos relacionamentos. Não é fácil.

Mas fico feliz em vez que as coisas estão mudando. Quando nós demos início ao Applied Innovation Exchange da Capgemini, no final de 2015, os líderes nem sequer pensavam que deveriam considerar um modelo de inovação aberta. Agora eles sabem que há valor ali, um grande potencial de melhoria nos negócios se a empresa conseguir trabalhar de forma inovadora e aberta. Eles sabem que precisam fazer isso, só não sabem exatamente como fazer isso. E o “como” fica mais complexo em um mundo em que o ritmo das mudanças só aumenta. Se você estiver pensando: “Eu deveria conhecer as startups especializadas em visão computacional”, por exemplo. Logo vai descobrir que elas mudam a cada mês.” Então é um desafio significativo.

Época: Quais são os piores erros que os líderes cometem ao tentar implementar a inovação aberta em suas empresas?

Bob Schwartz: Um dos maiores erros é não perceber que não se trata apenas de contratar novos fornecedores ou fazer novas parcerias. É preciso trabalhar de forma totalmente diferente. Eu vejo alguns líderes que dizem: “Sim, estou disposto a ir a um evento de startups, vou conhecer essas novas empresas e ver como elas podem ajudar meu negócio”. Mas daí eles continuam trabalhando da mesma forma que faziam antes. Então, eles enviam para as startups um NDA (Acordo de Não Divulgação) muito restritivo, depois mandam um longo pedido de proposta para ser preenchido, depois pedem para ver todos os registros bancários etc. Uma burocracia enorme! Se você não mudar a forma como está trabalhando, não vai funcionar. Na Capgemini, podemos descobrir uma startup numa segunda-feira e ter contratos prontos na quarta-feira. Mas levou tempo para implantarmos processos que funcionam com esse ecossistema.

Época: No estudo, vocês falam em estabelecer uma “fundação” para a inovação aberta acontecer, com a participação dos executivos C-level da companhia. É preciso que a mudança venha sempre de cima?

Bob Schwartz: Sim, todas as mudanças importantes devem vir de cima. É preciso entender que você não está simplesmente criando um departamento, como alguns pensam, mas transformando todos os departamentos da companhia. Para algumas empresas, pode significar criar quase um conjunto paralelo de atividades, apenas para lidar com as startups. Acho que é importante refletir sobre sua própria companhia e decidir o que é preciso fazer para trabalhar com empresas iniciantes de tecnologia. Outra providência importante é mudar os sistemas de incentivo da empresa. Veja, fica difícil adotar a inovação aberta e ir em busca de novas tecnologias quando os líderes ainda são recompensados pelos números de lucro do último trimestre.

Época: A maioria das empresas brasileiras usa a inovação aberta apenas para aprimorar processos, serviços ou produtos. Trata-se de uma inovação incremental, e não transformacional. Por que acha que isso acontece?

Bob Schwartz: Uma coisa não precisa excluir a outra. Na minha visão, a companhia precisa ter um portfólio variado, da seguinte maneira: 70% das startups devem trazer soluções rápidas para o core do negócio; 20% devem trabalhar com tecnologias disruptivas, mas que já estão prontas para serem usadas; e 10% devem olhar para o futuro, para tecnologias que não estão totalmente prontas, mas vão revolucionar o mundo, como a computação quântica, por exemplo. Já encontrei clientes que só pensam no presente. Veja bem, não há nada de errado em buscar saídas para os problemas da companhia. Mas, se você fizer apenas isso, vai perder oportunidades incríveis de transformação. Até surgir algum concorrente com mais visão, que faça algo dez vezes mais rápido, barato ou eficiente que você, e roube o seu mercado.

Época: Quais são as novas tendências que você vê no universo da inovação aberta?

Bob Schwartz: Talvez isso seja mais claro para mim por causa do meu papel de líder em um hub global, mas estou vendo um maior engajamento em inovação aberta sem fronteiras. Eu costumava ouvir coisas como: “Quero trabalhar com uma aceleradora na minha cidade”. E agora tanto as corporações quanto as empresas em crescimento estão dispostas a trabalhar globalmente. Então uma startup de Tel Aviv pode atender uma companhia de Londres, sem problemas. E a melhor solução para um negócio brasileiro pode estar na Holanda. Quem se importa?

Época: Como começou seu trabalho no Applied Innovation Exchange?

Bob Schwartz: Nosso CEO disse: “Eu me encontro com nossos clientes e eles gostam do nosso atendimento e da nossa entrega. Mas eles acham que não estamos ajudando-os a inovar o suficiente. Façam algo a respeito”. Olhamos ao nosso redor e dissemos: “Bem, temos laboratórios, recursos e relacionamentos, mas não temos uma maneira coesa de integrar o conhecimento. E impulsionar a inovação. Por isso, criamos o conceito do Applied Innovation Exchange, essencialmente um ecossistema no qual empresas, startups, universidades, investidores e todos os players da inovação aberta podem trocar conhecimento, ideias e práticas.

Época: De quanto foi o investimento nas Applied Innovation Exchanges de todo o mundo?

Bob Schwartz: Eu diria que foram cerca de US$ 1 bilhão nos últimos 8 anos. Começamos com dez hubs, hoje são 22, incluindo um no Brasil, aberto no ano passado. Queremos estar onde nossos clientes estão para poder colaborar com seus processos de inovação. Esse foi o dinheiro gasto nessa estrutura de inovação. Nem estou falando dos valores usados para aquisições de empresas como Altran, Ideon, Fahrenheit, Frog Design e Cambridge Consultants – apenas na Altram, gastamos US$ 3 bilhões.

Época: A inovação aberta pode ajudar as empresas a se tornarem mais sustentáveis?

Bob Schwartz: Com certeza. Vou te dar um exemplo. Acabamos de fazer um projeto com o Carrefour de Paris, que queria reduzir o desperdício de alimentos por razões de sustentabilidade. Mas eles também sabiam que seus consumidores exigiam isso. E não queriam perder dinheiro. Encontramos uma startup chamada Wasteless, que usa aprendizado de máquina para rastrear o comportamento de compra dos consumidores. Estamos usando isso na seção de produtos frescos, como carnes e peixes. Como eles têm um prazo de validade curto, contribuem em muito para o volume de desperdício. Pois bem, essa startup criou algoritmos para monitorar a velocidade com que esses itens são vendidos e calcular a quantidade certa a ser comercializada para que tudo seja vendido antes da data de validade, evitando desperdício. Isso já está sendo implementado em quatro lojas agora e, com base nos resultados, será expandido para outros produtos e localidades. Os melhores projetos de sustentabilidade são aqueles que não apenas salvam o planeta, mas também aumentam o lucro, porque dessa maneira a empresa jamais vão desistir deles.

Época: A inteligência artificial (IA) é a prioridade número 1 de todo empresário neste momento. Como a Capgemini está lidando com essa demanda?

Bob Schwartz: Nesse momento, a situação está um pouco caótica, mas vejo como um caos produtivo. Já faz algum tempo que eu digo que toda empresa precisa ser uma empresa de tecnologia, não importa o que você faça. A IA tem sido fundamental para nossos projetos desde 2018. O grupo Capgemini tem diretrizes e princípios de IA que são adotados pelos nossos funcionários há 4 anos. Atualizamos as regras no início deste ano, mas os princípios estão em vigor há bastante tempo.

Esse boom na IA serviu de alerta para muitas empresas, que ainda não haviam se dado conta de que é preciso mudar já. Elas precisam ser capazes de lidar com as novas vantagens competitivas que estão surgindo, porque, se não o fizerem, alguém mais fará. Hoje, a tecnologia está presente em praticamente todas as conversas. Mas acho que estamos conseguindo superar um pouco do barulho do último trimestre, e enxergar quais são os casos de uso reais que estão entregando valor para os clientes. Agora é o momento de aproveitar ao máximo todas as oportunidades que já estão ao alcance da mão. Na Capgemini brasileira, por exemplo, lançamos o avatar de IA generativa Olivia, que conversa com os clientes em um ambiente de realidade aumentada. Foi a maneira que encontramos de ajudar os nossos clientes a interagir diretamente com os dados, sem intermediários.

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